Review: “Seios e Óvulos” de Mieko Kawakami

Review: “Seios e Óvulos” de Mieko Kawakami

Mieko Kawakami nasceu em 1976, em Osaka, no Japão. Antes da escrita veio a música, uma Carla Bruni japonesa, que se descobre facilmente no YouTube, com três álbuns e vários singles editados no Japão. Em 2006 criou um blog onde começou por escrever letras de músicas e poemas e onde acabou por publicar vários textos que, reunidos, viriam a ser o seu primeiro livro, editado no Japão em 2007 e que, dez anos depois, reescrito e aumentado, voltou a ser editado e, finalmente, está à nossa disposição.

“Seios e Óvulos” está traduzido em mais de 30 línguas e tornou Mieko Kawakami uma rock star da literatura contemporânea. Com uma escrita limpa, direta e sem floreados, faz-nos dançar entre conceitos ancestrais e ideais progressistas sem tirarmos os pés do chão. Kawakami obriga-nos a pensar do avesso, a desconstruir as certezas feitas de nuvens a que nos tentamos segurar, e a enfrentar o caos da própria existência, comum a todos, por muito que vos seja mais aprazível negá-lo.

Ao contrário de Murakami, que podemos ler infinitamente e ficamos sem saber coisa alguma acerca do Japão e da cultura japonesa, Mieko abre-nos a porta de casa com a coragem dos audazes, – os que perderam o medo de contar ao mundo o quão pobre, podre, crua, triste, fria e solitária pode ser a realidade.

De Osaka até Tóquio. A solidão que se vai entranhando e as contas que ficam por pagar ao fim do mês, a vontade de criar e o procrastinar que isso envolve, a escolha entre os sonhos de sempre e os sonhos que se descobrem de repente, a assunção da impotência, das fragilidades e das idiossincrasias que nos mantêm ao largo do que queremos ser e, no topo do bolo, a cereja da autorreflexão como exercício de preservação da sanidade mental que ainda resta.

Natsuko, a personagem principal, agarra-nos logo nas primeiras páginas e nunca deixa de nos interpelar, de nos fazer equacionar como seria calçar aqueles sapatos, os dela própria ou os das personagens com quem se cruza. Da pobreza estigmatizante à ditadura da solidão, do papel que esperam da mulher ao papel que a mulher quer ser, do medo à coragem, este é um livro que amplia horizontes e que, sem oferecer certezas, nos obriga a questionar. Num país onde figuras de proa na sociedade apregoam que as mulheres se tornam inúteis a partir da menopausa, Kawakami abanou o establishment e, talvez por isso, tenha chegado até nós.

Mieko Kawakami entrou diretamente para um lugar cimeiro da lista de mestres do realismo literário que tanto me fascina.

 

Rock&Rolla Ago/23

 

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